Supreme Magus - Cap. 181
Capítulo 181: Crisol cruel (3)
Com seu novo corpo, Lith era capaz de levantar um adulto com uma mão e de correr tão rápido quanto uma fera mágica por vários minutos antes de se cansar. Ainda assim, depois de dar aquele discurso ele já estava arfando.
Falar aquelas coisas em voz alta tinha sido uma das coisas mais difíceis que ele já havia feito. Se abrir, mostrando suas fraquezas por vontade própria, ia contra tudo que ele tinha vivido durante suas últimas três vidas.
Era a coisa mais próxima que ele já tinha feito de se automutilar, forçando tantas feridas antigas a se abrirem e sangrarem em público. Ele ainda tinha tantas coisas que queria dizer, sobre como ele invejava cada um deles, até a Quylla, por ter nascido com um talento em um mundo que dava um potencial sem limites a eles.
Eles eram tão jovens, enquanto ele se sentia tão amargo e velho. Eles poderiam seguir o caminho que eles quisessem na vida, enquanto ele estava preso em uma ferrovia de uma mão só.
Eu já falei demais. Se eu continuar, vou causar mais mal do que bem a eles. Ao contrário de mim, eles realmente são crianças. As mentes deles ainda são frágeis, eles precisam de tempo para entender de verdade o que acabaram de ouvir.
Todos no quarto estavam chorando, até o Lith e a Solus. Ela não tinha lágrimas para derramar, mas ainda assim Lith conseguia perceber o sofrimento dela, assim como ele percebeu o sofrimento daqueles que estavam fisicamente presentes. Mas ao contrário deles, que estavam temporariamente sendo abalados por emoções efêmeras, Solus também estava feliz pelo pequeno e doloroso passo para seguir em frente que Lith havia acabado de dar.
— Acho que acabamos aqui — disse Lith, limpando as únicas duas lágrimas que ele havia derramado. — Não vou ficar aqui por mais tempo do que sou bem-vindo, então irei me retirar.
Ele caminhou para fora do quarto sem olhar pra trás, até que ele sentiu um pequeno corpo o abraçando por trás.
— Eu sinto muito por ter dito todas aquelas coisas naquele dia, sobre você caçar e matar pessoas ser legal. — Quylla estava chorando copiosamente. — Eu nunca parei pra pensar no quão difícil uma vida dessas deve ter sido pra você. Apesar de eu ter passado por muitas dificuldades, eu conseguia te imaginar apenas como um daqueles heróis dos meus livros, capazes de passarem por qualquer coisa com um sorriso no rosto.
“Eu só fiquei lá, te assistindo de longe, apenas pensando sobre mim e nunca me importando com seus sentimentos. Se houver algo, qualquer coisa que eu possa fazer por você, mesmo que você queira apenas conversar, é só falar que eu faço.”
Lith se virou, sem escapar do abraço dela, mas também sem retribuí-lo.
— Obrigado pelas suas palavras, mas acho que você está deixando isso subir à sua cabeça — disse Lith, dando uns tapinhas gentis na cabeça dela e passando sua mão pelo cabelo dela. — Você não tem nada para se desculpar. Eu não contei todas aquelas coisas para vocês porque eu precisava da sua pena ou compaixão, mas apenas porque acredito que vocês precisavam ouvir aquilo antes de decidirem o que vocês querem fazer com suas vidas.
“Agora que vocês sabem quem eu sou, preciso que vocês se acalmem e reflitam sobre tudo o que aconteceu durante esse ano. Vocês nunca devem tomar decisões importantes quando estão sentimentais, ou vocês farão e dirão coisas das quais acabarão se arrependendo no futuro.
“Quando nos encontrarmos novamente na academia, se ainda estiver pensando as coisas que acabou de dizer, repita sua oferta mais uma vez. Quem sabe? Talvez dessa vez nós nos tornaremos amigos de verdade.”
Quylla soltou ele, percebendo que ela apenas tinha ido de um extremo para outro, de nunca conversar com ele para quase confessar seus sentimentos por ele.
Pelos Deuses, eu sou tão estúpida. Eu nunca estive apaixonada pelo Lith, apenas pela imagem distorcida que eu tinha dele. Graças aos céus ele me parou antes de eu me fazer de tola. Não posso culpá-lo por me ver apenas como uma amiga em potencial e não um interesse amoroso.
Ainda somos jovens demais e não sabemos nada um sobre o outro. Vamos começar como amigos.
Apenas quando Lith chegou no Portal privado da família Ernas ele percebeu que não conseguiria operá-lo sem o passe real do Orion.
Ótimo trabalho, espertinho. Agora eu tenho que voltar e procurar ajuda. Terei sorte se algum funcionário não me expulsar. Ninguém aqui me conhece ou sabe por que estou aqui.
E então, ele ouvir a porta atrás dele se abrindo. Era a Phloria, com um rosto ainda manchado de lágrimas por causa da pouca maquiagem que ela estava usando. Ela estava apertando suas mãos, tentando reunir a coragem para contar a ele o quanto ela sentia muito.
Phloria era a que tinha passado mais tempo com Lith, fazendo uma caminhada juntos antes do café da manhã, toda manhã. Ela não era tímida como a Quylla e não se mantinha afastada como a Friya para não ferir os sentimentos da Quylla, mas ainda assim ela nunca havia se incomodado em perguntar a ele sobre seu fardo.
O problema era que o discurso dela e da Quylla eram terrivelmente parecidos. Phloria já tinha escutado a resposta dele e ela combinava muito bem com ela. Apenas após ouvir a história dele, ela tinha percebido o quão boba era a reclamação constante dela sobre sua mãe e os deveres que sua família exigia dela.
Phloria nunca havia entendido o quão sortuda ela era por ter nascido em um berço de ouro, até aquela noite. Isso fez ela se sentir como uma garota mimada e superficial.
— Exatamente a garota que eu estava procurando — disse Lith, dando um sorriso pra ela, deixando Phloria surpresa com o quão rápido ele tinha voltado ao seu eu de sempre. — Pode abrir isso pra mim, por favor? Quero ir pra casa.
Phloria pegou o passe dela no seu amuleto dimensional, configurando as coordenadas do Portal sem dizer uma palavra.
Quando Lith estava prestes a caminhar através do Portal, Phloria agarrou seu braço.
— Tem certeza que não quer ficar? O jantar será delicioso e nós temos muitos quartos para nossos convidados. — Era uma fala estúpida e ela sabia disso, mas Phloria não queria deixá-lo ir desse jeito, dispensado como um servo após performar seu dever.
— Obrigado pela oferta, mas não há nada para mim aqui. Em cinco minutos todos vocês recuperarão a calma e então viria uma chuva de desculpas forçadas e silêncios constrangedores. Vocês precisam de tempo para pensar no que fazer em seguida, e eu também.
O Portal se fechou assim que Lith passou por ele, fazendo Phloria se sentir fria e sozinha apesar de estar no conforto de sua própria casa.
***
A casa Ernas era uma casa nobre antiga, cheia de passagens ocultas e portas secretas. Havia um motivo para Velan Deirus ter escolhido o quarto ao lado do filho dele.
Através da simples remoção de uma grade de metal na chaminé, era possível ouvir tudo que estava acontecendo no quarto ao lado sem a necessidade de usar feitiços que poderiam alertar um feiticeiro paranóico.
Velan, Jirni e Orion tinham escutado do começo ao fim, eles não perderam nem o discurso da Quylla.
Orion havia ficado ferozmente contra a intrusão à privacidade das crianças, mas Velan insistiu com firmeza.
— Não posso colocar o futuro do meu filho nas mãos de um estranho que não conheço e que tem tantos rumores ruins sobre ele circulando por aí. Deixar Yurial sozinho em seu momento de necessidade significa falhar com ele mais uma vez e eu já estou cansado de fazer isso.
Jirni aproveitou a oportunidade para entender melhor a natureza de seu mais novo oponente e a relação dele com suas filhas, enquanto Orion pôde apenas suspirar e aceitar seu destino.
— Ele é um rapaz muito interessante — disse Velan, enquanto brincava com sua barbicha. — Pessoas como ele são como produtos danificados, mas podem ser recursos incríveis. Devo falar ao meu filho para mantê-lo por perto, se ele não quebrar ao longo do caminho, esse Lith pode ter um futuro brilhante à frente dele. Ele me lembra da minha avó de várias formas.
Ao ouvir as palavras “produto danificado” Jirni se sentiu pessoalmente ofendida, dando a Velan um sorriso suave que causou calafrios na espinha do Orion. Era o mesmo sorriso que ela dava enquanto cuidava de seus dispositivos de tortura na frente de seus prisioneiros.
Orion sabia que se encaradas pudessem mutilar, os restos mortais de Velan caberiam facilmente na bolsa da Jirni. Mas ainda assim, ela não refutou o convidado deles. A hora do jantar estava chegando e eles ainda precisavam se preparar.
Orion e Jirni se retiraram e foram para seus aposentos privados antes de continuar a conversa.
— Que ignorante idiota — zombou Jirni. — Se ele apenas passasse um pouco mais de tempo fora de seu laboratório e dentro da Corte, ele saberia que metade deles são “produtos danificados”. O que você acha do jovem Lith, querido?
Orion nunca parava de se surpreender com o fato de que não importava o quão violentas as emoções dela pudessem ser, sua esposa nunca deixava elas a abalarem, permanecendo fria e contida diante de todas as circunstâncias.
— Ele ainda é jovem. Eu realmente espero que ele consiga se recuperar de seus traumas do passado. É preciso força de vontade e coragem para ser capaz de compartilhar isso com outros e não deixar um fardo como esse te esmagar. Ele pode se tornar um grande amigo para nossas garotas e um recurso para a Coroa.
— Não era disso que eu estava falando. — Jirni começou a escolher um terno para ele, já que Orion ainda estava decidindo a gravata. — Quylla ainda não é muito atraente, mas ela tem muito talento e parece se importar muito com o garoto. Friya dá uma de durona, mas ela não estaria tão brava daquele jeito com ele se o considerasse apenas um estranho.
“E quanto à nossa pequena Florzinha, qualquer garoto que consiga fazer ela corar é melhor do que todos aqueles que apresentamos a ela até agora. Sem mencionar a forma como ela correu atrás dele após hesitar um pouco.
“Quando trouxermos ele para dentro da família, temos que ter certeza sobre quem casaremos com ele. Um casamento feliz é tudo sobre compatibilidade, assim como aconteceu com a gente.”
— Como assim, “quando”?
***
Após chegar em Lutia, Lith não foi para casa, em vez disso, ele foi direto para a floresta de Trawn. Os eventos recentes o deixaram cansado e ele sentiu a necessidade de ficar sozinho.
A mãe acha que eu estou na casa Ernas, então ela não ficará preocupada. Além disso, se qualquer coisa acontecer, ela sempre pode entrar em contato usando o amuleto de comunicação.
Solus e Lith foram para o laboratório de Maestria em Forja para experimentar o segundo método. Lith ainda estava cansado, mas Revigorar poderia compensar por isso e com sua mente conturbada ele sentiu a necessidade de se afundar em seu trabalho.
De acordo com a teoria de Gantzwell, a melhor forma de superar os limites da Maestria em Forja era usar um segundo círculo mágico. Os processos normais de encantamento precisavam de apenas um círculo mágico, para armazenar as runas e coletar a mana necessária.
Era dever do Mestre de Forjas prover a energia necessária para forçar tanto as runas quanto a mana para dentro do item, exercendo uma força mágica superior à que o círculo mágico estava armazenando.
Se as condições não fossem cumpridas, o encantamento falharia, era por esse motivo que as criações de um Mestre de Forjas nunca poderiam exceder sua própria capacidade de mana. Gantzwell hipotetizou que ao usar um segundo círculo ao invés de sua própria mana, Mestres de Forja poderiam se unir e produzir itens superiores em equipe.
Sua obra havia causado grandes expectativas, já que usar mais de um único círculo já era um procedimento padrão, apesar de que isso servia para conter melhor as energias mágicas ao invés de ser usado para fazê-las colidirem.
No final, a teoria de Gantzwell havia sido descartada porque nunca teve nenhum resultado. Preencher dois círculos mágicos sobrepostos com mana deixaria eles instáveis, as energias conflitantes danificariam os círculos e dissiparam rápido demais para qualquer encantamento dar certo.
Após algumas tentativas, Lith e Solus descobriram que nem com a torre da Solus usando Revigorar para manter os círculos fortalecidos ou Lith usando magia verdadeira para acelerar o processo foi o bastante para dar certo.
— A noite ainda é uma criança — suspirou a Solus. — Quer dormir um pouco ou prefere escolher um terceiro método?
— Nenhum dos dois. Acho que tenho uma solução.