Supreme Magus - Cap. 177
Capítulo 177: Cócegas
Aconteceu há uma semana atrás. O dia havia começado como sempre, com o Senton e a Rena abrindo a parte de frente da loja enquanto Zekell esquentava a forja para cuidar dos trabalhos de reparo. Por causa do pânico causado pela praga, a maioria dos aldeões e fazendeiros já estavam armados até os dentes, o que deixou seu negócio sem movimento.
Exceto pelos viajantes e caçadores locais, ninguém estava comprando suas armas, deixando ele com apenas trabalhos simples. Zekell não era um homem ganancioso, então esse tipo de vida tranquila não o incomodava muito.
Consertar ferramentas de cozinha e fazenda era trabalho fácil e rápido que o permitia cobrir as despesas diárias. Isso também o deixava com muito tempo livre para afiar suas habilidades e ensinar ao Senton todos os segredos da profissão deles.
Após ter se casado, o garoto havia amadurecido e se tornado um homem, levando suas responsabilidades muito mais a sério do que antes.
Enquanto no passado Senton tentaria completar suas tarefas com o mínimo de esforço possível para sair e ficar de bobeira com seus amigos, agora ele se dedicava ao máximo em cada obra que ele trabalhava, nunca ficando satisfeito com o resultado e frequentemente pedindo conselhos para o seu pai.
Tal mudança de atitude havia deixado Zekell muito orgulhoso de seu filho. Todas as broncas por causa da preguiça do Senton e os tapas na cabeça eram só uma memória ruim e distante, agora ele não precisava mais se preocupar com o que aconteceria caso ele morresse.
A loja havia ficado vazia pela maior parte do dia, então quando a hora de fechar estava chegando, Zekell mandou Rena e Senton de volta pra casa enquanto ele terminava de limpar o chão. Ele deu a eles todo o tempo livre que ele podia dar.
Com sua idade avançando e o novo caráter de Senton, Zekell mal podia esperar para ter um neto ou dois. Ele queria testemunhar a próxima geração da família Proudhammer e talvez ensiná-los a amar a arte de transformar um pedaço comum de metal em uma obra-prima.
Ele estava prestes a trancar a porta quando um jovem bonito e bem vestido entrou na loja, olhando para sua mercadoria com grande interesse. Zekell quase mordeu seu lábio inferior, frustrado.
O jovem nobre e sua escolta portavam a insígnia da família Rath, um bando de encrenqueiros bem conhecidos.
O nobre se cortou de propósito com uma das armas e usou o pretexto para exigir uma compensação. Para o horror de Zekell, o jovem “casualmente” estava com um contrato para transferir a loja para ele.
Zekell tentou defender todo o trabalho de sua vida, ameaçando denunciar o nobre para o Conde Lark ou para a Nana, mas não obteve nenhum resultado. A família Rath tinha um Grão-Mago e o nome de uma exilada que caiu na desgraça como a Nana importava pouco para eles.
O nome do Lith importava ainda menos, o nobre nem sabia da existência dele. Temendo a possibilidade de perder sua família e tudo que tinha, Zekell havia quase assinado o documento, mas uma mão firme o parou.
Ela pertencia ao Capitão Locrias do Esquadrão da Rainha, que estava vestido como um policial do interior e absurdamente enfurecido. Ele e seu time tinham conseguido permanecer disfarçados por meses e agora o idiota tinha forçado eles a agirem, estragando o disfarce deles.
— Não precisa assinar nada. Este homem está preso — disse o Capitão, suspirando.
— Como ousa? Você não sabe quem eu sou!
— Eu acho que sei. — Vykaros, o contato deles com a Associação de Magos, havia coletado informações sobre ele desde o momento em que o nobre havia pisado em Lutia. — Você é Tikin Rath, segundo filho da Baronesa Rath. Com acusações pendentes de assassinato, estupro, incêndio culposo e desvio de impostos. Você com certeza gosta de se manter ocupado, moleque.
— A minha família, e quanto à minha família? — Zekell ainda estava em pânico.
— Sua família está em segurança — disse Locrias. — Todos os homens do Lorde Rath estão mortos, agora é a vez dele.
Uma pequena faca apareceu na mão esquerda do Locrias, enquanto a direita estava segurando a clavícula do Tikin com a força de um torno.
— Você não pode fazer isso! — Agora era a vez do Tikin ficar pálido e entrar em pânico. — Eu exijo um julgamento justo!
Zekell suspirou aliviado, mas de repente, o medo reapareceu em sua face.
— Ele está certo, você não pode matá-lo!
— Não se preocupe, nem o tal Grão-Mago ou a mãe dele chegarão a ver o próximo amanhecer. — A faca foi enfiada no peito do Tikin, perfurando seu pulmão e coração e o matando instantaneamente.
— O que foi que você fez? — gritou Zekell, enquanto o corpo caía no chão e uma poça escura de sangue se espalhava no chão.
— Meu bom senhor, eu sou o Capitão Locrias do Esquadrão da Rainha. Você não tem nenhum motivo para continuar com medo. Você e sua família estão sob nossa proteção — disse ele, estufando seu peito com orgulho, se sentindo injustiçado pela falta de confiança do ferreiro.
— Fico feliz em saber disso, mas não é disso que estou falando! Você podia ter matado ele fora daqui, ou pelo menos ter me dado o tempo para colocar um carpete no chão. O desgraçado se cagou antes de morrer. Com essa catinga e as manchas de sangue, ninguém entrará na minha loja por semanas!
***
— Felizmente, ele usou alguma magia para fazer o corpo desaparecer e limpar meu chão. — Zekell estava todo sorridente, como se aquilo tudo tivesse sido apenas um sonho ruim.
Ou esse cara é mais blindado mentalmente que eu ou ele está completamente louco. Lith pensou.
— Se não fosse por você, o Capitão Locrias não teria interferido. Mais uma vez, tenho uma dívida com você. Se houver qualquer coisa que eu possa fazer por você, é só pedir.
— Na verdade, há algo em que eu poderia usar sua ajuda. Baseado no que você contou, você tem bastante tempo livre, certo?
Zekell acenou em resposta.
— Eu preciso performar alguns experimentos com a Maestria em Forja, mas eu não sei nada sobre ferraria e não tenho o tempo para aprender. Eu gostaria que você me fornecesse as coisas que estão listadas aqui.
Lith lhe entregou um pedaço de papel que Zekell leu imediatamente.
— Isso é muita coisa, garoto. Mas são todos itens comuns, então posso fazê-los relativamente rápido. Preciso de dois dias.
— Só preciso de um primeiro lote, não precisa se apressar. Estou disposto a pagá-lo pelo seu trabalho. — Lith não tinha apenas pedido várias coisas, a qualidade dos materiais também variava de ruim para muito bom.
Antes de receber a recompensa da Coroa pelo seu desempenho durante a praga, ele não poderia gastar tanto dinheiro sem afetar a qualidade de vida da sua família. Além disso, os experimentos dele precisavam da forma de torre da Solus para serem conduzidos e ele nunca teve a oportunidade de usá-la de novo desde a pausa do primeiro trimestre.
— O trabalho é por conta da casa, mas terei que cobrar os materiais. Alguns são bem raros e eu não posso me dar ao luxo de ficar sem recursos.
Lith não queria abusar da gratidão dele, então ele prontamente fechou o acordo com um aperto de mão.
Após deixar Zekell, uma chamada para o Conde Lark permitiu que ele se certificasse de que a família Rath não incomodaria mais ninguém. Todos eles tinham sido presos vários dias atrás e suas propriedades foram designadas para uma família recém-promovida.
Lutia havia sempre sido uma vila quieta, mas desde o momento em que o Esquadrão havia oficialmente revelado sua presença, o pior crime que acontecia era uma criança roubando uma fruta ou um doce. Após a morte do Garith, Tista havia aprendido a lição dela.
Agora, os pretendentes dela sabiam por experiência que o não dela significava não e que um Raio significava “nunca mais chegue perto de mim de novo”.
Lith passou a primeira parte da manhã se atualizando com sua família, antes de tentar entrar em contato com seus companheiros de equipe novamente.
Não posso ligar pra Quylla, ela ainda não superou a paixonite dela e não quero dar falsas esperanças para ela. Friya e Yurial também estão fora de cogitação, eles provavelmente estão traumatizados e temo que a reação deles não será boa depois que eu basicamente ignorei eles até que fosse tarde demais.
Isso me deixa com apenas uma opção.
Lith usou seu amuleto de comunicação e ligou para a Phloria, que respondeu imediatamente.
— Desculpa por não ter atendido suas chamadas — disse ela, se desculpando. — Eu passei a maior parte desses últimos dois dias na cama.
Lith suspirou por dentro, aliviado. Ela não parecia estar brava com ele, o que tornava ainda mais difícil para ele dizer o que ele tinha que dizer.
— Fico feliz em ver que você está bem e o fato de que você respondeu tão rápido significa muito pra mim. Ainda assim, acho que você deveria vestir outra coisa além de uma camisola branca antes de atender seu amuleto — disse ele, enquanto afastava seus olhos, como um verdadeiro cavalheiro.
No novo mundo, não existia roupa de baixo e com o calor do verão aumentando, ela estava vestindo uma roupa fina e sentada com as pernas cruzadas, como sempre.
Phloria emitiu um grito agudo enquanto o amuleto fez um barulho de impacto, como se tivesse sido jogado pra longe.
Apenas após um minuto ou dois a imagem da Phloria reapareceu, dessa vez vestindo o uniforme da academia. Até o holograma não conseguia esconder a cor vermelha de sua face.
— O que você viu? — perguntou ela, com a voz mais fofa e feminina que ele já havia ouvido ela falar.
— Quase nada — Lith mentiu descaradamente. — Juro pelas cabeças dos meus dois irmãos.
A resposta pareceu ter acalmado ela um pouco, permitindo que eles continuassem sua conversa.
— Como você está se sentindo? — perguntou ele.
— Envergonhada, quer dizer, terrível. Eu mal saio do meu quarto. Me sinto culpada por não ter cuidado do Yurial e da Friya, mas já tenho problemas demais para lidar.
— O Yurial está na sua casa?
Phloria assentiu.
— Ele e o pai dele. Nossos pais acham que por terem compartilhado uma experiência similar, eles podem se ajudar a superar seus traumas.
— Essa é uma ótima ideia. — Lith também se lembrava de como ele havia precisado de terapia lá na Terra para tentar melhorar. É uma pena que ele nunca tenha conseguido achar uma associação dos Assassinos Anônimos.
— Por que você não liga pra eles também? Tenho certeza que eles apreciariam o gesto.
— Phloria, vamos ser honestos, quando se trata de sentimentos, eu sou um touro em uma vidraçaria. Temo que eu apenas pioraria as coisas.
Após conversarem mais um pouco, Lith encerrou a chamada e foi para a floresta de Trawn para seus experimentos. Até que Zekell lhe fornecesse os itens que ele precisava, ele ainda podia praticar em pedras ou estudar mais as caixas.
Após chegar no gêiser de mana, Solus conseguiu entrar na sua forma de torre, revelando que o primeiro andar estava quase completamente reconstruído.
Infelizmente, quase.
Assim que Lith entrou, ele viu que o acesso para o andar superior ainda estava bloqueado por destroços.
— Desculpa, não tenho controle algum sobre nenhum andar até que ele esteja completo. Não sei por quê.
Meses tinham se passado desde a última vez que Lith havia ouvido a voz de verdade da Solus ao invés da mente dela, mas ainda assim ele não deixou de perceber as diferenças.
— Solus, sua voz ficou muito mais clara e humana do que antes. Consigo até ouvir algum tipo de sotaque, mesmo apesar de eu não reconhecê-lo.
— Você percebeu! — Ele conseguiu sentir a alegria dela dentro da mente dele, ela estava nas nuvens. Foi por isso que ele evitou adicionar que era difícil não perceber, já que a voz anterior dela parecia uma máquina de um serviço de atendimento a clientes.
— E essa não é a única mudança. Tcharam!
As paredes da torre começaram a emitir um brilho fraco. A luz lentamente se soltou da pedra, formando um orbe do tamanho de uma bola de tênis que começou a girar ao redor da cabeça do Lith.
— Agora eu posso não apenas te acompanhar, mas você também tem alguém para conversar, ao invés de ficar olhando para as paredes ou o teto.
— Isso é uma ótima notícia! Isso é sólido ou…?
— Bem que eu queria — suspirou Solus. — É só luz.
Lith balançou sua mão dentro do orbe sem encontrar nenhuma resistência. Não havia nada dentro, nem nada substancial ali. Era de fato apenas um vaga-lume bem grande.
Solus começou a rir alto, o surpreendendo um tanto.
— Gostei da sua atitude. Fiquei com medo que você ficaria ainda mais deprimida e…
— Para com isso! — disse Solus, cortando ele. — Isso faz cócegas!