Supreme Magus - Cap. 162
Capítulo 162: Tempos difíceis
Fora o cheiro pungente de podridão e suas roupas que mais uma vez ficaram em frangalhos, não havia rastro nenhum do que havia acabado de acontecer dentro da tenda do Lith. A forma de manopla da Solus havia se recuperado completamente de todas as feridas dela e agora estava transbordando poder.
O que diabos foi isso? Chamado Mortal não deveria funcionar daquele jeito. Aquilo foi como um feitiço completamente diferente.
Bem, não sei se isso faz alguma diferença, mas você também parecia uma pessoa completamente diferente. Seus olhos se tornaram inumanos e quando o fluxo de energia atingiu seu ápice, seu corpo inteiro começou a pulsar de acordo com o ritmo do fluxo. Você tinha começado a passar de uma mutação para uma…
Solus não estava conseguindo encontrar as palavras para descrever a silhueta monstruosa que quase havia se sobreposto à de Lith.
…coisa, mas graças aos céus, tudo parou antes que fosse tarde demais.
Lith não se lembrava de tais mudanças, mas checando as memórias da Solus, ele conseguiu ver o que exatamente havia acontecido. Após seus olhos terem ficado amarelos, brilhando por dentro com uma pupila em formato de fenda vertical, a aura sombria ao redor dele assumiu uma forma física.
Ao invés de tentáculos das trevas, seu corpo havia liberado chamas esmeraldas, enquanto as sombras na tenda tinham aparentemente ganhado vida, atacando os Garras junto com as chamas.
O resultado foi, infelizmente, impecável. Nada havia sobrevivido ao ataque em conjunto, nem mesmo as armas, deixando ele de mãos vazias com seus problemas.
Lith nunca havia experienciado nada como aquilo, então ele sentou de pernas cruzadas no chão e ativou Revigorar, em busca de respostas. Primeiro ele escaneou seu corpo e depois o núcleo de mana, descobrindo que nada havia mudado.
Em seguida, ele fez a mesma coisa na Solus, mas os resultados permaneceram os mesmos.
Tudo havia acontecido tão rápido que parecia ter sido só um sonho. Mas ainda assim ele estava se sentindo mais vazio do que nunca, como se ele tivesse entendido algo importante só para acabar esquecendo um segundo depois de acordar.
Ele tentou várias vezes conjurar aquelas energias e sensações, mas sem sucesso. Mais confuso do que nunca, ele vestiu seu uniforme de doutor da praga. Kilian chegaria a qualquer segundo agora, e Lith estava ansioso para finalizar os detalhes dos últimos passos da cura e voltar para sua vida.
***
Apesar do laço forte deles, que era quase uma amizade, Tyris não gostou da forma que Leegaain havia deixado o canal de comunicação deles aberto, enquanto ele estava discutindo a anomalia com sua nova aprendiz.
Não apenas porque aquilo havia engatilhado o humor de Salaark aos custos dela, mas também porque aquilo havia colocado o dedo na ferida. A anomalia estava no território dela, adicionando outra responsabilidade à carga de trabalho dela, que já estava pesada.
Ao contrário dele, ela não havia dormido pacificamente ao longo dos últimos séculos, dando o dedo do meio para todos os problemas do país dele e tomando uma atitude apenas quando algo grande acontecia.
Ela também não tinha um controle detalhado sobre os súditos dela igual a Salaark, o que a permitiria delegar pelo menos alguns dos deveres dela para Despertados de confiança. O papel dela como uma Guardiã não era manter ou dominar, era criar a fagulha da mudança.
Tyris havia engatilhado a unificação do Reino de Griffon, incitando outros a seguir seu exemplo e colocando um fim a séculos de longas guerras.
Ela havia ensinado magia verdadeira para a Lochra Silverwing, que por sua vez havia conseguido adaptá-la em formas que pessoas comuns conseguiriam usar, difundindo um conhecimento inovador que havia melhorado as vidas de milhões.
A cada século que passava, ela ficava mais tentada a jogar a toalha e só cuidar da própria vida. Incentivar um país para a direção certa sem interferir diretamente, enquanto mantinha o equilíbrio era uma tarefa gigantesca.
A praga em si era prova do quão desesperadora a situação dela estava. Ela não havia cuidado da praga pessoalmente, não porque ela não se importava, mas porque o prato dela já estava cheio. Nos anos recentes, Tyris havia notado um aumento no número de Abominações aparecendo no Reino de Griffon.
Normalmente, elas eram mais raras do que Despertados, mas agora elas estavam pipocando como cogumelos, duas ou três a cada ano, rápido demais para o fenômeno ser uma ocorrência natural.
Os pontos de origem eram sempre perto das fronteiras do Reino, onde os sentidos dela eram mais fracos, para que Tyris percebesse apenas quando fosse tarde demais. Ela estava convencida de que tinha entendido a lógica deturpada por trás do fato do Reino de Griffon ser o único alvo.
Leegaain não teria se importado com isso, enquanto Salaark, graças aos servos dela, teria encontrado a fonte da ameaça mais rápido do que Tyris jamais conseguiria. Alguém a estava usando para testar os poderes e recursos dos Guardiões, mas Tyris não fazia ideia do porquê.
Ela teria adorado pedir ajuda para seus colegas, mas Guardiões eram altamente territoriais. Apesar de cada um deles supervisionar um terço do maior continente do planeta, nunca era o bastante, eles mal conseguiam tolerar um ao outro.
A anomalia era apenas uma pequena batata, aquilo podia esperar. Primeiro, Tyris tinha que colocar um fim na ameaça das Abominações, depois ela tinha que verificar se Arjîn estava realmente morto e dar ao Esquadrão um novo sétimo membro. Apenas então ela daria uma olhada na anomalia.
Tudo enquanto esperava que o Reino ainda estivesse de pé quando ela retornasse e que os descendentes dela conseguiriam evitar uma guerra civil.
Só de pensar em tudo que ela tinha que fazer, Tyris teve uma dor de cabeça. Ela suspirou profundamente, enquanto Mãe Terra, a técnica de Revigorar dela, a informou que outra Abominação havia aparecido perto das fronteiras do norte.
— Eu realmente preciso de férias — disse ela antes de abrir um Portal e partir para pegar o oponente misterioso dela antes que ele conseguisse fugir novamente.
***
Após ficar sabendo que seu tratamento estava quase completo e que Lith iria embora logo após ele terminar o tratamento dela, Nindra havia ficado bastante assertiva. Ela frequentemente se sentava ereta como uma flecha, enfatizando os seios dela, brincava com seus cabelos ou ria à vontade sempre que ele dizia algo que mal chegasse perto de ser divertido.
Sem mencionar que ela prolongava todo contato físico com ele por alguns segundos a mais do que era apropriado.
— Você não pode pelo menos me dizer seu nome? Não acho que seus pais foram tão imaginativos a ponto de te darem um nome confuso, então não tem problema eu ficar sabendo.
Ela disse isso enquanto Lith estava removendo os últimos parasitas dos braços dela. Após isso, ela estaria completamente curada e após dar seu relatório final para o Varegrave, Lith poderia ir pra casa.
Ele mal podia esperar para sair daquela tenda. Com a desculpa de privacidade, Nindra havia convencido ele a fechar a cortina e estava sussurrando cada palavra em seu ouvido.
Ser o alvo da afeição de uma mulher que não era uma parente ou uma criança estava despertando instintos antigos, os rumores sobre a morte desses instintos tinham sido muito exagerados.
— Sinto muito, mas isso é confidencial — respondeu Lith, com uma voz rouca, como se ele tivesse uma bola de tênis presa em sua garganta. Em outra vida e outras circunstâncias, ele não deixaria uma oportunidade dessas ser desperdiçada.
Infelizmente, ela era a pessoa certa na hora errada.
— Além disso, srta. Luce, apesar de eu estar lisonjeado pelas suas atenções, receio que sem essa máscara, você descobriria que sou um pouco jovem demais para o seu gosto.
Ela deu risadinhas, fazendo o cabelo dela fazer cócegas na pele do Lith, fazendo ele quase desejar jogar fora a máscara e experienciar um beijo de verdade após mais de treze anos de abstinência. Quase.
A situação era bem diferente da paixão enlouquecedora dele pela Professora Nalear, suas emoções estavam sob controle e suas prioridades estavam em ordem.
Ele percebeu que mesmo se Nindra o aceitasse apesar de sua idade, o que dificilmente aconteceria de acordo com os costumes do novo mundo, ficar com ela violaria cada regra de segurança do acampamento.
Isso provavelmente custaria a vida da Nindra e toda a reputação e confiança que ele havia ganhado até agora, marcando Lith como um idiota mulherengo. Então, ele rapidamente terminou seu trabalho e puxou a cortina, recuperando um pouco de espaço pessoal.
— Nindra Luce está oficialmente purificada — Lith contou para os guardas. — Escoltem ela para o terceiro bloco para as avaliações finais antes dela ser liberada. Senhorita, sinto muito por termos tido um começo turbulento, mas foi um prazer te conhecer. — Lith estendeu a mão dele assim como fez na primeira vez em que eles se encontraram, apenas para ser ignorado novamente.
Nindra o abraçou com força.
— Muito obrigada, doutor. Passei meus dias aqui esperando pela morte antes da sua chegada. Realmente espero que cedo ou tarde eu possa retribuir. — Foi só um movimento sutil, mas ela conseguiu esfregar os quadris dela contra o dele durante o abraço, com consequências previsíveis.
— Se algum dia você mudar de ideia, você sabe onde me encontrar — disse ela com um último sussurro, antes de deixá-lo ir.
Os guardas e o Kilian estenderam suas mãos também, mas para a decepção deles, ela apenas as apertou enquanto sorria.
— Pronto para seu último relatório? — perguntou Kilian, com uma pitada de inveja em sua voz.
— Sim. Agora que a última cura foi aperfeiçoada, não há mais nada para eu fazer aqui.
Os dois homens caminharam em silêncio, mas Lith e Solus conversaram por todo o caminho até a tenda do Varegrave.
É muito lisonjeiro que uma mulher dessas fique atraída por mim sem sequer ver meu rosto. Isso significa que ela realmente me aprecia como uma pessoa, ao invés de estar interessada na minha aparência.
Sim, mas estou inclinada a dizer que é mais provável que isso seja só ela confundindo as próprias emoções, como no efeito da ponte suspensa. Sem mencionar que você é o único homem decente que ela encontrou enquanto estava presa. Solidão é uma besta cruel. Eu sei muito bem disso. Solus respondeu.
Você não está sendo um pouco amarga, com um pouco de ciúmes por cima? Lith enviou um sorriso mental suave na direção dela.
Bem, dã! É claro que estou com ciúmes. Ela tem tudo que eu sonho ter. Solus suspirou, sua vida em forma de pedra estava ficando cada vez mais limitada para ela a cada dia que se passava.
Você consegue imaginar o que teria acontecido se eu tivesse tirado a máscara? Lith mudou de assunto, tentando animá-la.
É claro que consigo!
Solus projetou a imagem de uma porta fechada e uma voz gritando:
Abre a porta! Polícia Federal!
Antes de arrombar a porta e fazer os dois darem risadas abafadas.
Após a chegada deles, Varegrave usou a gema azul, abrindo o canal de comunicação com a realeza do Reino.
Lith deu as boas notícias para eles, explicando em detalhes como curar o parasita bloqueador de mana. Mas eles não estavam tão felizes quanto ele esperava que eles fossem ficar. As palavras de Kilian ainda estavam ecoando na mente deles, a ideia do Lith estar escondendo suas habilidades foi reforçada pela análise magistral dele.
— É de grande importância começar o processo a partir do abdômen, deixando o paciente descansar por pelo menos três dias antes de continuar os tratamentos.
O núcleo da Nindra era o mais forte entre os últimos infectados e precisou de apenas um dia e meio para se recuperar completamente. Lith estendeu a janela de tempo só pra garantir.
— Eu percebi que todos os pacientes afetados pelos parasitas bloqueadores de mana têm um comportamento errático, provavelmente causado pelas toxinas que bagunçam as mentes deles. Para evitar uma síndrome de abstinência após a cura, o fígado e os rins devem recuperar primeiro sua capacidade total.
“Senão, eles podem ficar violentos, machucando a si mesmos e aos outros, como aconteceu com o Garith Senti. A morte dele me ensinou a não subestimar o problema.”
Lith ficou muito satisfeito com a desculpa que ele tinha inventado. O Professor Marth já estava enfatizando a ideia de fundir a magia de cura com a medicina, a morte do Garith era o empurrão final que ele precisava.
— Trabalho excepcional, Mago Lith — disse o Rei Meron. — O Reino de Griffon está endividado com você. Se houver qualquer coisa que você deseja antes de partir, sinta-se livre para pedir.
Lith não precisava que dissessem isso duas vezes.
— Eu gostaria de pedir leniência no caso do Coronel Varegrave. Ele estava de luto naquele momento, mas ele é um bom homem e é um servo leal da Coroa. Após essa experiência, estou pensando em seguir o exemplo do meu irmão e performar o serviço militar voluntário. Eu adoraria servir sob um oficial que eu conheço e respeito.
Mais importante, sob alguém que me deve muito uma. Ter alguém no exército pode sempre se provar útil no futuro, não importa o que eu decida realmente fazer.